Teoria da presciência (Cap. XVI de A Génese)


«1. Como é possível o conhecimento do futuro? Compreende-se a possibilidade da previsão dos acontecimentos que devam resultar do estado presente; porém, não a dos que nenhuma relação guardem com esse estado, nem, ainda menos, a dos que são comumente atribuídos ao acaso. Não existem as coisas futuras, dizem; elas ainda se encontram no nada; como, pois, se há de saber que se darão? São, no entanto, em grande número os casos de predições realizadas, donde forçosa se torna a conclusão de que ocorre aí um fenómeno para cuja explicação falta a chave, porquanto não há efeito sem causa. É essa causa que vamos tentar descobrir e é ainda o Espiritismo, já de si mesmo chave de tantos mistérios, que no-la fornecerá, mostrando-nos, ao demais, que o próprio facto das predições não se produz com exclusão das leis naturais.»


Sem embargo da teoria exposta no capítulo supra referido de A Génese, é de interesse reparar na explicação que um Espírito deu a propósito de algo que predisse e se realizou. Foi-lhe perguntado se conhecia então o futuro, ao que respondeu: “Só Deus o conhece. Não fiz outra coisa senão sugerir (que fizesse determinada coisa) a fim de que se realizasse a minha predição.” Juntando aqui a questão 459 de O Livro dos Espíritos «“Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos actos?” Mais do que imaginais, pois com bastante frequência são eles que vos dirigem.”» várias questões surgem à perquirição, sendo a primeira coisa que salta à vista que afinal não se trata tanto de predição mas mais de manipulação. Isto sugere que o futuro ainda não existe feito e que as previsões podem falhar, como tem acontecido amiúde, seja por algumas circunstâncias terem mudado, seja por ter faltado capacidade de manipulação num momento concreto. Aliás, se há livre-arbítrio também existe, no mínimo, a possibilidade de uma alternativa,1 a qual sendo seguida de imediato contraria a predição contida na escolha sugerida por aquele que fez a predição.

A afirmativa dos Espíritos de que influem mais em nossos pensamentos e em nossos actos mais do que imaginamos permite deduzir que a manipulação acontece não somente em indivíduos mas também em colectividades de maior ou menor dimensão, dependendo do interesse e da força mental exercida individualmente ou em grupo. Como existem sempre interesses e forças antagónicas em acção, vence aquela que não sendo necessariamente a mais forte encontra receptividade maior no sujeito passivo. Daí que não seja difícil acertar em predições de coisas ruins, dada a inferioridade espiritual dos que povoam a Terra. E quando se predizem generalidades fica muito mais fácil acertar, porque além de previsíveis podem aplicar-se a milhentas situações em diversos momentos. Os Espíritos gostam de jogar com a incerteza para se fazerem de elevados e sábios aos nossos olhos de gente basbaque.

O que cria canais para Deus é a elevação de pensamento; o pensamento é tanto mais elevado quanto maior o despojamento em relação ao egoísmo e ao orgulho. Ora, sendo os Espíritos as almas dos homens que morreram, fácil fica de ver que a elevação não é de modo a saber o que Deus sabe, nomeadamente o futuro. O que os Espíritos sabem é aquilo que vêem e o que vêem além das actividades correntes é as formas pensamento que criamos assim como as radiações também decorrentes dos pensamentos. É essa a vantagem que têm em relação aos que estamos imersos na matéria; daí disporem-se ao alvitre em relação ao futuro, à partida com tanta probabilidade de acertar quanto a de errar. Isto se não estão apenas a divertir-se à custa do simples.


*

Mas, e quando a cigana ledora da sorte acerta na previsão a médio e longo prazo? De onde lhe vem a intuição?

Tem a nova Física vindo a especular que o tempo pode na realidade não existir, remetendo o a que chamamos passado, presente e futuro para o reino dos artifícios que sustentam ilusões. Talvez o tempo seja vibração de energia e espaço a dimensão onde ocorre o movimento. Se o tempo for apenas energia, assim a percepção conforme a vibração; daí, a noção da divisão do tempo em passado, presente e futuro por estarmos imersos num mundo físico tridimensional, mas em a consciência transcendendo estes limites essa divisão tende a desaparecer e essa energia transformar-se num agora.

Se assim for, na nossa imortalidade o que conscientemente experienciamos em cada existência são takes sem memória de outros, e por isso a sensação de localidade (pertença a um espaço-tempo). Se assim for, o filme da vida já está realizado, a precognição e a retrocognição são acidentes cognitivos em que se vêem episódios situados na não-localidade (sem pertença a um espaço-tempo).2 Diz-se que para Deus um segundo é eternidade e eternidade é um segundo; ora, esta é uma boa definição de não-localidade, onde o todo é no instante em que a consciência colapsa.

Para talvez validar esta tese, veja-se os seguintes itens de O Livro dos Espíritos:


«242. Por que meios têm os Espíritos o conhecimento do passado? Esse conhecimento tem limites?

O passado, quando dele nos ocupamos, é o presente; precisamente quando, de vossa parte, lembrar-vos de um facto que vos tenha causado profunda impressão no curso de vossa existência. Como não temos mais o véu material que obscurece a nossa inteligência, lembramo-nos das coisas que desapareceram da sua memória. Mas nem tudo é conhecido pelos Espíritos: a começar pela sua própria criação.”


243. Os Espíritos conhecem o futuro?

Isso ainda depende da sua perfeição. Amiúde apenas o entreveem, mas nem sempre lhes é permitido revelar. Quando o veem, ele lhes parece presente. O Espírito vê o futuro mais claramente à medida que se aproxima de Deus. Após a morte, a alma vê e abrange de relance suas migrações passadas, mas não pode ver o que Deus lhe prepara. Para tanto, é preciso que esteja totalmente integrada nele,3 após sucessivas existências.”»


1 Penso que as predições assentam numa espécie de método estatístico, onde ao imenso campo de possibilidades é aplicado o grau de probabilidade, grau este determinado pela observação dos padrões comportamentais.

2 Segundo o Princípio da Complementaridade enquanto aqui na realidade cósmica nós e as coisas existimos limitados pelo tempo e espaço, na realidade quântica ao mesmo tempo nós existimos omnipresentes no espaço e no tempo, estando em todos os lugares ao mesmo tempo, e em todas as épocas, no mesmo instante.

3 Que significa e que implicações tem estar totalmente integrada nele, Deus? A alma é a gota que regressa ao oceano? Mantém a sua individualidade? Gostamos de acreditar na segunda hipótese, mas se olharmos só aqui não sabemos se na intenção dos Espíritos «integrar» tem o valor de verbo transitivo ou se de verbo transitivo pronominal.

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