Do Ensaio teórico sobre a sensação nos Espíritos

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Mas, dir-se-á, as sensações agradáveis são transmitidas ao Espírito pelo perispírito, tanto quanto as desagradáveis. Ora, se o Espírito puro é inacessível a umas, deve sê-lo igualmente às outras. Sem dúvida, àquelas que provêm unicamente da influência da matéria que conhecemos. O som de nossos instrumentos, o perfume de nossas flores não lhes produz nenhuma impressão e, não obstante, eles desfrutam de sensações íntimas, de um encanto indefinível, que não podemos ter nenhuma ideia, porque estamos para elas como cegos de nascença para a luz. Sabemos que essas sensações agradáveis e subtis existem; mas por qual meio? Aí se detém o nosso conhecimento.

Sabemos que o Espírito possui percepção, sensação, audição, visão – que essas faculdades são atributos de todo o seu ser e não apenas de certos órgãos, como no homem. Mas, ainda uma vez, de que forma? É o que não sabemos. Os próprios Espíritos não podem nos explicar, pois nossa língua não foi feita para exprimir ideias que não possuímos, assim como na língua dos selvagens não existem vocábulos que expressem as nossas artes, as nossas ciências e as nossas doutrinas filosóficas.”


Pode parecer um trecho longo mas, na verdade, é tanto o que é dito que acabam por ser poucas as palavras. Usar as palavras com parcimónia e precisão e ir directo ao essencial para não criar distracções no receptor da mensagem, é a característica da sabedoria e da elevação. Os ilusionistas da palavra é que gostam de enfeitar as parcas ideias para que pareçam profundas e belas. E quer Kardec, quer os Espíritos que responderam às perguntas que aquele lhes fez, não foram ilusionistas.

Feita esta introdução, importa relembrar que nós, homens, somos Espíritos, numa condição de maior sujeição à influência da matéria, mas também não podemos esquecer que o sono promove uma natural emancipação da alma. Chegamos agora aos sonhos e é por eles, pela consciência que temos enquanto ocorrem e pela lembrança que permanece mais ou menos tempo após o acordar, que constatamos a veracidade do que o trecho longo, que afinal é curto, diz.

    Com efeito, aqueles que conservam alguma consciência enquanto o sonho ocorre (há quem diga que não sonha) vive sensações agradáveis, ou desagradáveis, que não têm paralelo enquanto vígil, porque acontecem sem concurso dos órgãos que pertencem ao corpo. É certo e sabido que o cérebro, como órgão material que é, no processo de descodificação dos sinais recebidos quando estes estão para além dos conhecimentos adquiridos tende a criar símbolos, alegorias, imagens – e daí os tantas vezes sonhos confusos -, mas se há uma grande emancipação da alma (ou desdobramento, como mais comummente usa dizer-se) é uma outra vida sem explicação que está a acontecer.

A música é outra, e não pode ser replicada. As cores são outras, e não podem ser replicadas. As sensações íntimas – o amor, a paz, enfim, essas coisas – são outras, e não podem ser replicadas. Nem, por isso, explicadas.

Aquilo que o trecho longo, que afinal é curto, diz, é verdadeiro. A experiência humana pela emancipação da alma confirma-o.


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