Livre arbítrio


258. Quando se encontra na erraticidade, antes de iniciar nova existência corpórea, tem o Espírito consciência do que lhe sucederá na vida terrena? Pode prevê-lo?

Ele mesmo escolhe os tipos de provas por que há de passar; nisto consisteo seu livre-arbítrio.”


Pode perguntar-se se o livre arbítrio consiste só nisto, na escolha de provas, estando nós doravante condicionados pela necessidade de que ocorram, e se essa escolha também ela já não está condicionada na sua origem por uma qualquer outra necessidade, aplicando-se aqui a necessidade de correcção e progressão. Esta questão traz à baila o Asno de Buridan. Buridan, célebre filósofo nominalista do século XIV, ilustrou as polémicas a respeito do livre arbítrio por meio do exemplo de um asno que tinha igualmente fome e sede, mas que, colocado à mesma distância de uma gamela com água e outra com grão, não sabia escolher, a ponto de permanecer imóvel e morrer.

Este argumento simboliza, a partir daí, a necessidade de um motivo antes de qualquer escolha. Portanto, e como saída airosa, temos de aceitar que o exercício do livre arbítrio tem na base um motivo.

Quando e se na decisão não prevalece nenhum motivo, a indeterminação da vontade perante uma escolha é sinónimo de liberdade de indiferença, indiferença essa que é o mais baixo grau de liberdade, segundo Descartes. Essa indiferença, a existir, dá origem a asnos de Buridan.


259. Se o Espírito escolhe o género de provas pelas quais deve atravessar, significa que todas as atribulações da vida têm por princípio a nossa escolha?


Todas não seria bem o termo. Porque não se pode dizer que houve uma escolha ou uma previsão de sua parte, até das mínimas coisas. Houve uma escolha relativa ao género de provas; os detalhes são a consequência da posição escolhida e, amiúde, de suas próprias ações (…) O Espírito sabe o género de lutas que terá de enfrentar, pois ele mesmo escolheu este caminho. Sabe, portanto, a natureza das vicissitudes que encontrará, mas desconhece os acontecimentos que o aguardam. Os detalhes nascem das circunstâncias e da força das coisas. Somente os grandes acontecimentos que influem sobre o destino estão previstos.


Sendo assim então, opondo ao determinismo também significa o poder criador da vontade capaz de agir como causa primeira, isto é, a liberdade própria do ser consciente de agir a seu gosto e de se escolher com toda a independência, porque Deus deixa ao Espírito a liberdade de escolha. Mas deixa-lhe também toda a responsabilidade por seus actos e as respectivas consequências, como é justo seja.

Não sendo fácil o exercício da liberdade de escolha, o Espírito pode enganar-se quanto à eficácia da prova que escolheu, pois “Pode escolher uma que esteja além das próprias forças e sucumbir. Pode também escolher uma que em nada lhe aproveite, como um género de vida ocioso e inútil.


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