Dos demónios


«131. Existem demónios no verdadeiro sentido da palavra?

Se houvesse demónios, seriam obra de Deus. E Deus seria justo e bom se tivesse criado seres eternamente voltados ao mal e à infelicidade? Se há demónios, residem em mundos inferiores como a Terra e em outros semelhantes. São esses homens hipócritas que transformam o Deus justo em um deus mau e vingativo e que acreditam Lhe ser agradáveis pelas abominações que cometem em Seu nome.»


Que ponto rico para reflectir! Repare-se que ‘demónios´ “São esses homens hipócritas que transformam o Deus justo em um deus mau e vingativo e que acreditam Lhe ser agradáveis pelas abominações que cometem em Seu nome.” Por certo não se isentam de ser ‘demónios´ todos os que cometem abominações1, mas aparenta uma gravidade maior a abominação que é feita em nome de Deus. E isto porque é a subversão total daquilo que Deus é e representa, além de pretender justificar o injustificável com precisamente o oposto à acção em causa. Tem mais: ao adulterar de tal forma a ideia de Deus, cria nas vítimas a aversão à ideia, que é um dano emocional de alcance difícil de medir, pela sua extensão.

Por mais que se goste de religião e se queira ver nela uma necessidade e um valor civilizacional, não deixa de ser perturbador e alimentar sérias reservas quanto à importância dessas necessidade e valor naquilo que ao longo do tempo a religião tem feito em nome de Deus, chame-se-Lhe Jeová, Alá, isto e aquilo ou, para as confissões cristãs, Jesus Cristo, essa ainda confusão entre criatura e criador – e por essa confusão, o que tem sido feito em nome de Jesus vale por ter sido feito em nome de Deus.

Um pequeno parêntese: segundo os evangelhos, Jesus não suportava os hipócritas, os da religião. Ora, ser hipócrita em seu nome não é abominável, não avilta a figura de Jesus, não transforma os hipócritas nesses tais ´demónios´?

Por outro lado, veja-se, por exemplo, o budismo e o hinduísmo, que sendo mais filosofia de ordem religiosa que estrita religião, não precisaram de violência para se imporem. Nas suas tradições e práticas sempre estiveram mais perto de Deus do que as tradições e práticas religiosas ocidentais e, hoje sabe-se isso, mais perto do conhecimento de si mesmo – o si mesmo que é o lugar de Deus.

Pode ser doloroso ter que pensar que o movimento judaico-cristão foi mais pernicioso que benéfico para a humanidade, mas a força dos factos está à vista. Na actualidade ainda. Sendo a Terra um mundo inferior e tendo este movimento transformado o Deus justo em um deus mau e vingativo, não parece lá muito lúcido entendê-lo como a excelsa compreensão da divindade.

1 Abominação: coisa que desperta o sentimento misto de desprezoódio e horror.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog