Pensar o Espiritismo, hoje


«222. O dogma da reencarnação, dizem certas pessoas, não é novo; é simplesmente o ressurgimento da doutrina de Pitágoras. Não dissemos, jamais, que a Doutrina Espírita é uma invenção moderna. O Espiritismo, por ser decorrente da própria Natureza, deve ter existido desde a origem dos tempos. Temos sempre procurado provar que encontramos os seus traços desde a mais remota Antiguidade. (…)»


O Espiritismo, por ser decorrente da própria Natureza, deve ter existido desde a origem dos tempos. Logo, o Espiritismo é transversal a todas as religiões e filosofias espiritualistas e é independente de todas elas. A propósito, Kardec diz algures que se o Espiritismo tornar melhores as pessoas nas suas religiões, já valeu por isso. Como ilação primeira temos que o Espiritismo não é uma religião em si, é uma filosofia espiritualista que pode ser aplicada em qualquer religião – e não ter nada com nenhuma. Ora acontece que o Espiritismo como o temos hoje é uma, mais uma, religião, filiada ao cristianismo, mística, ritualista, a ferir a razão, e nitidamente marcada por dogmas e práticas católica e evangélica (protestante) e alguns laivos de magia, com evidente prejuízo para a sua vocação abrangente, sem mitos, progressista, humanista e livre-pensadora.1

Centrado sobre si mesmo e apoiado em homens e em revelações estapafúrdias, o Espiritismo vive alheado do mundo, sem jovens, a estiolar-se.

                                                                       

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«243. Os Espíritos conhecem o futuro?

Isso ainda depende da sua perfeição. Amiúde apenas o entreveem, mas nem sempre lhes é permitido revelar. Quando o veem, ele lhes parece presente. O Espírito vê o futuro mais claramente à medida que se aproxima de Deus. Após a morte, a alma vê e abrange de relance suas migrações passadas, mas não pode ver o que Deus lhe prepara. Para tanto, é preciso que esteja totalmente integrada nele, após sucessivas existências.»


«243a. Os Espíritos que alcançaram a perfeição absoluta têm pleno conhecimento do futuro?

Plenamente, não é a palavra, porque somente Deus é o único e soberano Senhor e ninguém o pode igualar.»


De um artigo da médica e espírita Marlene Nobre, em maio de 2011, no jornal A Folha Espírita. Na peça, ela entrevista Geraldo Lemos, o então jovem que afirma ter ouvido a previsão em um encontro com Xavier, em 1986. Na entrevista, Lemos revela a suposta profecia.

Nosso Senhor deliberou conceder uma moratória de 50 anos à sociedade terrena, a iniciar-se em 20 de julho de 1969 (data em que o homem pisou na Lua), e, portanto, a findar-se em julho de 2019. Ordenou Jesus, então, que seus emissários celestes se empenhassem mais directamente na manutenção da paz entre os povos e as nações terrestres, com a finalidade de colaborar para que nós ingressássemos mais rapidamente na comunidade planetária do Sistema Solar, como um mundo mais regenerado, ao final desse período. Algumas potências angélicas de outros orbes de nosso Sistema Solar recearam a dilação do prazo extra, e foi então que Jesus, em sua sabedoria, resolveu estabelecer uma condição para os homens e as nações da vanguarda terrestre.

Segundo a imposição do Cristo, as nações mais desenvolvidas e responsáveis da Terra deveriam aprender a se suportarem umas às outras, respeitando as diferenças entre si, abstendo-se de se lançarem a uma guerra de extermínio nuclear. A face da Terra deveria evitar a todo custo a chamada III Guerra Mundial. Segundo a deliberação do Cristo, se e somente se as nações terrenas, durante este período de 50 anos, aprendessem a arte do bom convívio e da fraternidade, evitando uma guerra de destruição nuclear, o mundo terrestre estaria enfim admitido na comunidade planetária do Sistema Solar como um mundo em regeneração. Nenhum de nós pode prever, Geraldinho, os avanços que se darão a partir dessa data de julho de 2019, se apenas soubermos defender a paz entre nossas nações mais desenvolvidas e cultas!”

Ah! Geraldinho, caso a humanidade encarnada decida seguir o infeliz caminho da Terceira Guerra Mundial, uma guerra nuclear de consequências imprevisíveis e desastrosas, aí então a própria mãe Terra, sob os auspícios da Vida Maior, reagirá com violência imprevista pelos nossos homens de ciência. O homem começaria a Terceira Guerra, mas quem iria terminá-la seriam as forças telúricas da natureza, da própria Terra cansada dos desmandos humanos, e seríamos defrontados então com terremotos gigantescos; maremotos e ondas (tsunamis) consequentes; veríamos a explosão de vulcões há muito extintos; enfrentaríamos degelos arrasadores que avassalariam os polos do globo com trágicos resultados para as zonas costeiras devido à elevação dos mares; e, neste caso, as cinzas vulcânicas associadas às irradiações nucleares nefastas acabariam por tornar totalmente inabitável todo o Hemisfério Norte de nosso globo terrestre” teria dito Xavier.


O senhor Geraldo é pródigo em delírios e useiro e vezeiro em socorrer-se deste nome idolatrado para garantir audiência; este aqui talvez seja apenas mais um, em que FCX pouco ou nada tenha a ver. Seja como for, esta profecia é ridícula de tão absurda. Nada nela faz sentido, a não ser os nossos temores, porque contrária à lei do progresso (e que tal ler A Génese?), e negacionista em relação a um governo espiritual superior da Terra e da vida. A profecia é catastrofista como convém para prender a atenção, indo ao encontro do gosto pelo sensacional e pelo trágico do povo, mas mais não faz que ridicularizar os verdadeiros Espíritos superiores, que não se prestam a papéis menores. Importa perguntar: quem assistiu às reuniões e das deliberações deu conhecimento aos que as narram?

O enredo desta suposta profecia faz lembrar as histórias míticas e alegóricas dos deuses gregos. Bem vistas as coisas, ainda não se progrediu assim tanto no que toca a razão e bom senso.2

Volto a enfatizar: não sei se FCX tem alguma coisa a ver com esta história. Se tem, mal andou; se não tem, mal anda quem lhe usa o nome para se promover.



1 Como curiosidade: se olharmos a colectânea de preces contidas em O Evangelho Segundo o Espiritismo constatamos que todas elas são dirigidas a Deus, bastantes secundariamente aos bons Espíritos, e algumas ao Anjo da Guarda; porém, nenhuma delas é dirigida a Jesus. Nenhuma, repito.Já as preces efectuadas no movimento espírita todas elas são dirigidas a Jesus e algumas, raras, incluem Deus. Este nítido contraste com Allan Kardec revela o quanto o movimento espírita se afastou do espiritismo e se aproximou das religiões tradicionais e dogmáticas, onde Jesus é Deus e Deus é Jesus e, portanto, é indiferente nomear um ou outro.

2 Um outro exemplo, para termos uma ideia do estado actual do espiritismo: Alastra-se a peste, recordando-se a denominada negra do período medieval, em que a Igreja, intolerante e irresponsável através do seu representante máximo, propôs a Inquisição, e mais de um milhão de vidas foram ceifadas cruelmente por serem acusadas de hereges… Logo depois, outro Papa anunciou que os gatos eram portadores da figura satânica, e os felinos foram perseguidos de maneira inclemente e mortos com impiedade… Como efeito natural, os ratos multiplicaram-se terrivelmente e, portadores de pulgas infectadas, contaminaram a Terra, especialmente a Europa, destruindo milhões de existências…De alguma forma, ocorre hoje o mesmo fenómeno; ao combater-se, ou parecer fazê-lo, as paixões políticas arruínam os países, e os sobreviventes do vírus da COVID-19 serão dizimados pela miséria e pelo abandono. (No Rumo do Mudo de Regeneração. Divaldo Franco/M.Philomeno Miranda).


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