A propósito de comunicações mediúnicas


Os Espíritos que estiveram com Allan Kardec foram claros em relação às comunicações: 1) que não sabiam tudo, e 2) que dentro do que sabiam nem tudo lhes era permitido dizer1. As imediatas deduções são de que: 1) por maior estatuto que tenham, há sempre alguém superior detrás, 2) tudo tem o seu tempo, o que encontra analogia na natureza: a fruta colhe-se madura. Uma nova ideia, um novo paradigma, tem que ser maturado antes de impor-se e para poder impor-se. Infere-se também que as grandes doutrinas e os messias que lhes estão associados servem uma época. Podem perdurar no tempo porque o amadurecimento desta “fruta” mede-se em milénios, mas não podem deixar de ser provisórias na sua manifestação. Bem mesquinha seria a vida, e o universo, e Deus, se fossem a última explicação.

Esta introdução remete-nos para Ernesto Bozzano que em “Comunicações Mediúnicas entre Vivos” a dado passo diz:

«Se há entidades espirituais superiores que proíbem os espíritos comunicantes de revelar certos segredos do Além, para os quais a humanidade não está preparada, fica então subentendido que as mesmas entidades permitem aos espíritos em questão suprir com mentiras a curiosidade dos vivos e, assim sendo, ter-se-á de inferir que, em certas contingências, também as mentiras seriam justificáveis no sentido talvez de que elas se tornem propícias à evolução ordenada e regular das disciplinas metapsíquicas, porquanto talvez sirvam para exercer influência moderadora e benéfica sobre a sua difusão entre os povos, influência que não seria conseguida de outro modo, assim como a evolução biológico-psíquica da espécie só se consegue com a intervenção do fator mal em perpétuo contraste com o fator bem.

Se assim for, dever-se-ia dizer que, para as operações evolutivas da nova Ciência da alma, as mentiras proferidas em circunstâncias especiais pelas entidades espirituais inferiores também teriam a sua razão de ser, por isso que desorientariam os experimentadores demasiadamente crédulos, obrigando-os a meditar e aprofundar ulteriormente o tema, determinando tréguas providenciais no progresso das pesquisas metapsíquicas, impedindo as intempestivas convicções com base na fé cega, isto com toda a vantagem para os métodos de indagação científica. E, acima de tudo, evitando o perigo de “uma revolução social demasiadamente violenta”, que infalivelmente ocorreria se a nova orientação do pensamento ético-religioso tivesse de impor-se a massas sem preparo, com perniciosa rapidez. Bem hajam, pois, as mistificações espíritas que servem de freios moderadores ao curso rápido e imprudente a que com facilidade se abandonariam alguns esquadrões extremamente impulsivos do novo exército do ideal.»


Lógicas e brilhantes estas deduções. Pode o futuro mais ou menos longínquo desmenti-las, mas são actuais no tempo que vivemos. Para esta lógica que não incorre em falácia, tomemos em atenção mais as seguintes premissas; 1) “há duas classes de manifestações que são idênticas por natureza, com a distinção puramente formal de que quando se verificam por obra de um vivo, tomam o nome de fenómenos anímicos e quando por obra de um morto, denominam-se fenómenos espíritas. É claro, pois, que as duas classes de manifestações são uma o complemento necessário da outra, e isto de tal sorte, que o Espiritismo ficaria sem base se não existisse o Animismo.” e 2) as mistificações espíritas encontram análogo facto nas mistificações anímicas, o que se traduz em um primeiro ensinamento instrutivo retirado da análise comparada dos factos.” (op. cit.)

Significa também que há sempre, ou raramente não haverá, um substracto anímico na melhor comunicação mediúnica-espírita. A atenção aos fenómenos revela tantas vezes uma identificação de pensamento tão próxima entre agente activo e agente passivo que só com muitas reservas se pode aceitar como “verdade” o que é dito. Acresce o seguinte: a fé não substitui o conhecimento. Pode a fé servir para dar estabilidade emocional e psicológica enquanto não há conhecimento, mas só este ilumina. Ora acontece que neste intercâmbio se mantém activa a dicotomia conhecimento e fé, a qual é manifestada nas comunicações - e cada um e cada época ouve o que precisa de ouvir. E os Espíritos não são mais que as almas dos homens que morreram. A morte é uma passagem para a vida espiritual e não dá valores morais ou de inteligência a quem não os tem.

Mais uma nota do mesmo autor na obra citada para reforçar esta tese.

Não nos devemos esquecer de que o estado de recepção mediúnica é uma condição passiva e instável do espírito humano, a qual tem afinidade, por natureza, com outra condição passiva e instável do próprio espírito, que é o estado onírico, isto é, o reino dos sonhos. Daí a extrema facilidade com que nas comunicações mediúnicas, sejam de vivos ou de mortos, tais elementos de sonho se interpolam nas comunicações verídicas e constituam sempre o grande obstáculo a que numerosos pesquisadores decidam aderir à hipótese espírita. Para muitos desses investigadores, uma autêntica personalidade de morto nunca deveria enganar-se ao transmitir o nome de um seu parente próximo ou no fato de referir-se a alguma particularidade saliente de sua própria existência terrena. Tal afirmação, aparentemente racional e incontestável, na realidade é completamente errada porque não se levam em conta as imperfeições inerentes ao instrumento onírico subconsciente de que se servem os mortos para se comunicarem com os vivos, instrumento que requer uma passividade absoluta da mente do médium, passividade em perpétua condição de equilíbrio instável, com frequentes infracções e irrupções ora oníricas, ora sonambúlicas, ora auto-sugestivas, às quais devem ser imputados os erros, as contradições e as imperfeições que são encontradas em muitas comunicações de mortos. De tal ponto de vista, os erros, em tudo idênticos aos que se encontram nas comunicações de vivos, são preciosíssimos pela sua eloquência demonstrativa em favor da tese sustentada. “


Algo fundamental a ter em conta: qualquer informação de qualquer Espírito enquanto não for comprovada tanto pode ser verdadeira como pode ser falsa. Enquanto não se comprova pode acreditar-se ou não se acreditar mas, mais uma vez, acreditar não é saber2; pode admitir-se a possibilidade e investigar, e essa é a posição de quem ama a verdade.


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«Em Maio de 1988, Bill e Judy Guggenheim criaram o Projecto ADC (sigla de After Death Communication – Comunicação Após a Morte), a primeira investigação exaustiva deste fenómeno. Reuniram mais de 3300 relatos pessoais de pessoas que acreditavam firmemente terem contactado com entes queridos já falecidos. O livro resultante, Hello From Heaven, descreve o projecto e contém 353 dos relatos mais impressionantes.

Na maioria dos casos, o contacto é espontâneo, mas também pode ser induzido. O contacto e mesmo a comunicação induzidos com os falecidos são fenómenos relativamente recentes. Não são o mesmo que o contacto e a comunicação através de um médium psíquico, pois a indução do fenómeno limita-se à criação de um estado apropriado de consciência nos próprios sujeitos que vivem a experiência. Uma vez adquirido esse estado, os sujeitos podem comunicar por si próprios. O psicoterapeuta Allan Botkin, director do Centro para o Luto e Perda Traumática em Libertyville, no estado do Illinois, afirmou que ele e os colegas tinham induzido com sucesso a comunicação após a morte em quase três mil pacientes.

Segundo Botkin, a comunicação após a morte pode ser induzida em noventa e oito por cento das pessoas que a tentam. A experiência geralmente ocorre numa única sessão. Não importa se os sujeitos acreditavam antes na comunicação após a morte, se eram religiosos, agnósticos ou ateus e não é limitada a quem tenha tido uma relação pessoal com o falecido. Por exemplo, os veteranos de guerra podem contactar com um soldado inimigo que tenham matado e nunca chegaram a conhecer.

Não é necessário que os psicoterapeutas guiem os sujeitos: basta que induzam o estado alterado de consciência requerido.» - Ervin Laszlo com Anthony Peake, A Mente Imortal


É deveras interessante esta investigação e pode bem ser a primeira forte evidência de duas coisas: a de que qualquer um pode entrar em contacto com outra dimensão de vida e a de que pode não estar tão distante no tempo quanto isso a vulgarização dessa forma directa de comunicação. Talvez a mediunidade seja um fenómeno intermédio entre a comunicação não deliberada e limitada a efeitos físicos e a comunicação directa e intelectual, e a explosão parapsíquica verificada em este tempo seja o prenúncio de uma alvorada sem intermediários, as mais das vezes pouco fiáveis - ou talvez por isso mesmo, talvez a pouca fiabilidade dos intermediários precipite a sua dispensa.


1 Os Espíritos que no espiritismo posterior têm vindo sem parcimónia opinar sobre todas as coisas fazem parte de outra história

2 Acreditar não é saber; o acreditar sem ver do episódio de Tomé (Novo Testamento da Bíblia cristã) é um convite à felicidade da ignorância – e a ignorância é a raiz de todos os males. Mas segundo o mesmo livro, conhecer a verdade liberta… da ignorância. Portanto, o saber é superior ao acreditar. Aliás, no apócrifo conhecido como Evangelho Copta de Tomé, este discípulo que preferia o saber ao acreditar teve um tratamento único que, a ser verdade, o equiparava ao mestre (item 13, sem o ponto de interrogação no versículo 26).


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