E esta, hem?


Estou sempre a aprender e quanto mais aprendo mais me dou conta do quanto ainda não sei.1 Felizmente que não me falta tempo para adquirir o conhecimento pleno, mas é bom que não me desleixe para evitar os padecimentos inerentes à preguiça intelectual.

Nunca tinha associado autismo com diarreia crónica, depressão e síndrome do intestino irritável, nem a obesidade com a microbiota intestinal. Tampouco tinha relacionado o intestino com o sistema imunológico, apesar da experiência muitas vezes replicada que junta herpes labial e distúrbios no sistema gastrointestinal.

Graças a Deus que há livros e que a fada madrinha nos faz cair do céu aqueles que nem sabemos que existem, mas que nos fazem falta. Foi assim que caiu em minhas mãos o apelativo 10% Humano, de Alanna Collen, cuja leitura estabeleceu “sinapses” entre efeitos aparentemente desligados. Na argumentação fundamentada da autora,

«O cérebro e o intestino, apesar de sua distância e de desempenharem funções totalmente diferentes, têm uma ligação íntima - e de mão dupla. Não apenas as emoções afectam o funcionamento do intestino, mas a actividade intestinal pode afectar seu estado de humor e seu comportamento também. Pense na última vez que você esteve mal da barriga - sem dúvida não foi apenas seu sistema digestivo que ficou irritado.»

Faz sentido, até porque o indivíduo não é uma soma de partes, mas um todo interligado e interdependente.

Assim é que «a obesidade nem sempre é uma doença associada ao estilo de vida cuja causa é o excesso de comida e a falta de actividade física. Pelo contrário, é uma disfunção no sistema de armazenamento de energia do corpo» e «sintomas gastrointestinais são surpreendentemente comuns em pessoas com distúrbios neurológicos e mentais, embora costumem ser vistos como irrelevantes quando comparados com o comportamento alterado».

Ah! Afinal o que tantos doentes precisam é de cabeça e barriga novas. Por detrás desta necessidade está a mente – o Espírito – que, como toda a gente sabe, não é o cérebro; este é o meio, o hardware, para a manifestação da mente no ambiente material. Com o que pensamos, e sentimos, modificamos não apenas o ADN, mas agimos também sobre as bactérias, mantendo o equilíbrio ou promovendo o desequilíbrio, pela predominância de determinada espécie ou insuficiência de outra. E quando se arranjam antídotos para as infecções, o sistema imunológico enlouquece e ataca substâncias inofensivas; daí as alergias e as doenças auto-imunes. Na origem sempre a mesma coisa: a alma doente.

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A minha fada madrinha quando era viva na carne dizia que devíamos comer um carro de terra para ganharmos defesas. Não saberia que a mycrobacterium vaccae vive no solo e que inalamos quando passeamos no campo estimula os neurónios do córtex pré-frontal do cérebro humano para libertarem serotonina, o neurónio transmissor da felicidade e do bem estar, mas suspeitaria que somos prejudicados pela nossa obsessão pela higiene. Eu comi o meu carro de terra e ainda agora mexo na terra sem luvas e não me preocupo com os micróbios que possa ingerir.

«Eu já mencionei que alguns grupos de bactérias se tornam mais abundantes após a lavagem das mãos, talvez porque aproveitem a oportunidade de florescer na ausência de seus colegas mais vulneráveis. Entre eles estão os estreptococos. Não há nenhuma explicação definitiva, mas talvez esses patógenos oportunistas ganhem terreno nas mãos e no intestino de tal forma que, após uma boa lavagem das mãos, conseguem persuadir o hospedeiro - por meio dos gânglios basais que reforçam hábitos e oferecem recompensas - a não pararem de lavá-las.

Talvez não seja nenhuma surpresa que uma série de “distúrbios mentais” - mais apropriadamente denominados distúrbios neuropsiquiátricos - estejam ligados à disfunção dos gânglios basais e à presença de estreptococos. Pense nos tiques vocais e físicos da síndrome de Tourette, que podem ser o resultado da incapacidade dos gânglios basais de suprimir a ideia de uma travessura da mente consciente. A infecção por estreptococos desempenha um papel nessa síndrome. Crianças que sofreram várias infecções de uma cepa particularmente desagradável de estreptococo no último ano têm uma chance catorze vezes maior de desenvolverem esse distúrbio. O mal de Parkinson, o TDAH e transtornos de ansiedade também estão ligados aos estreptococos e a danos aos gânglios basais.»

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Como também dizia (a minha fada madrinha) que água corredia não faz mal à barriga, continuo a beber do rego que margina a poente a minha quinta que actualmente só produz amoras silvestres e no meio das silvas algumas uvas das videiras mais resistentes ao assalto do mato. E se amoras e uvas são boas!


1 Já ouviu falar no efeito Dunning-Kruger em que quanto menos sabe e menos competente é mais o indivíduo se julga sabedor e competente?

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