Divagação


A chamada hormona do amor, a oxitocina, tem um efeito no comportamento comparável à de bebidas alcoólicas. Esta hormona, produzido no hipotálamo, é conhecida por ter um papel importante em determinar nossas interacções sociais e reacções a parceiros românticos. A oxitocina estimula comportamentos como altruísmo, generosidade e empatia, deixa as pessoas mais abertas a confiarem em outras. A hormona remove algumas barreiras que funcionam como inibidores sociais: medo, ansiedade e stresse.

Colocando ao contrário: as bebidas alcoólicas têm um efeito no comportamento comparável à da oxitocina; será que aquele copo excedente é a reprodução fácil de um estado que queremos e de outro modo não temos? Será o álcool a/o amante que não existe?1

Preste-se atenção ao seguinte texto de Olivier Juilliard2:

«É que tudo se passa como se, na prodigiosa aventura que arrasta para um máximo de cientificidade, de eficácia, de produtividade e de segurança, a civilização perdesse progressivamente a recordação das suas atitudes primitivas, da sua angústia original, do seu primeiro desejo. Não se trate de justificar – mesmo de autorizar – o abuso dos psicotropos em nome do uso mais ou menos sagrado que deles fizeram os nossos antepassados e que deles fazem ainda várias sociedades menos cientificamente desenvolvidas do que a nossa3, mas apenas de se perguntar se o domínio do mundo e de si próprio, que toda a sociedade implicitamente persegue, não implica um tal recurso aos modificadores de consciência e à sua capacidade e oferecer ao espírito dos fenómenos desconhecidos possibilidades imprevisíveis, a imagem ou a ilusão de um poder insuspeitado. Ainda mais, é possível marcar no uso actual destes produtos – uso quase sempre liberto daqui em diante de rigorosas implicações religiosas – uma espécie de reacção, senão uma luta contra a racionalidade científica dominante: reacção confusa e um tanto ambígua contra uma lógica quantitativa acusada de destruir os elementos mais directamente perceptíveis e assimiláveis do real. Neste sentido, ver-se-á que dos estupefacientes mais violentos aos álcoois sofisticados da nossa época, uma mesma compulsão arrasta o comportamento do homem, porque se trata ainda e sempre deste «algures» que assombrava Baudelaire, drogado e maldito; trata-se ainda de encontrar um «novo» susceptível de trazer ao espírito um espanto de si mesmo, dos seus poderes, das suas fraquezas, dos perigos que sabe suscitar-se, como dos prazeres de que sabe deleitar-se.»4

Será o uso de drogas psicoactivas uma enviesada procura de espiritualidade? Obviamente é uma má resposta, perante a outra má resposta das religiões.

Pode associar-se a espiritualidade a uma busca do sentido da vida que transcende o mundano. Ora as religiões dão uma má resposta porque pararam no tempo e desfasaram-se das conquistas da inteligência, que já não aceita tão facilmente os dogmas, as noções e os rituais pueris, e sobretudo a hipocrisia dos seus agentes. O bom da coisa é que a busca de sentido da vida a transcender o mundano pode ser efectuada sem religião, e após a revolta das drogas é provável e natural o desenvolvimento das buscas libertadoras ainda incipientes, mas salubres.



1No caso da embriaguez por álcool, é a molécula etanol que provoca o estado de embriaguez; no enamoramento, entra em jogo um coktail, do qual a molécula feniletilamina – também conhecida por PEA – é a principal responsável pelo estado de felicidade.” (Mark Nelissen, Darwin no Supermercado)

2 Excerto do artigo A Corrida à Alma. 1-As Drogas. Em O Livro dos Poderes do Espírito, coordenação de Louis Pauwels e Jean Feller.

3 Mantendo muitos dos seus traços culturais originais, o peregrino huichol não vê no peyotl, um cacto alucinogénio, um remédio contra o tédio dos dias e a quotidianidade medíocre: é o seu deus que vai, todos os anos, religiosamente, adorar e colher.

4 «Bem mais sedutora do que o ópio, infinitamente mais eficaz na modulação de comportamentos e expectativas do que o álcool, e utilizada durante mais tempo por dia do que o tabaco, o “agente intoxicante” mais invasivo e insidioso da nossa cultura é a televisão.» (Thom Hartmann, As Últimas Horas da Antiga Luz do Sol)*

*Recomendo vivamente a leitura deste livro inspirador para nos “abrir os olhos” falsamente ecológicos que gostamos de exibir.

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