Visita guiada ao budismo


Nota prévia: a guia é Helena P. Blavatsky n’A Voz do Silêncio. Pertence-lhe o que surge em itálico.

Tudo começa em não haver esforço, por pequeno que seja – quer no bom sentido, quer no mau – que possa perder-se e desaparecer no mundo das causas. As causas semeadas cada hora produzem cada qual a sua colheita de efeitos, porque uma justiça inalterável rege o mundo. Com vasto alcance de acção infalível ela traz aos mortais vida de alegria ou de angústia, a prole cármica1 dos nossos pensamentos e acções anteriores. Podes criar hoje as tuas oportunidades de amanhã.


Que se tira daqui? A primeira flor colhida é a de uma sensação de liberdade, porque como a volição antecede o esforço afirma a competência de escolher entre duas ou mais possibilidades (livre-arbítrio), e ao afirmar a liberdade deixa espaço à aleatoriedade - aleatoriedade que como processo repetitivo não descreve um padrão determinístico, mas segue uma distribuição de probabilidade. Embora denotando o indeterminismo, a atribuição ou não de atribuição de ênfase ao que surge como aleatório faz com que o “esforço” traga consequências ou seja (aparentemente) inconsequente. Tomemos o exemplo:

Um qualquer desconhecido insulta-me. Se não dou ênfase, o insulto esvazia-se em si mesmo. Este esvaziamento é positivo para mim, porque permite que mantenha a paz interior, e poderá eventualmente ser positivo para o agressor, ele o saberá; se dou ênfase, abro caminho à raiva, que em crescimento exponencial chega ao homicídio, o qual, por si, tem repercussões directas e colaterais ad infinitum. Agir em vez de reagir.

Em face da justiça inalterável que rege o mundo, a liberdade acarreta responsabilidade. É uma outra flor, esta de esperança, porque à força de experimentar a acção da justiça os “esforços” tenderão a criar uma curva de sino acentuadamente favorável ao “bom sentido”.

Fazem parte do “bom sentido” as seguintes regras: caridade e amor imortal; harmonia nas palavras e nos actos, a chave que contrabalança a causa e o efeito, não deixando mais espaço à acção cármica; paciência suave, que nada pode alterar; indiferença ao prazer e à dor, a ilusão vencida, só a verdade vista; energia indómita que abre o seu caminho para a verdade suprema, erguendo-se acima das mentiras terrenas.2 Como se percebe, o móbil aqui é sair e não voltar a entrar na circularidade do sistema castigo-recompensa, uma armadilha psicológica imposta como ideologia noutras paragens.

Algo muito importante para o domínio de si - entender que são os pensamentos que comandam nossas ações é essencial para aumentar a consciência sobre nós mesmos -, é tornar inofensivas as criações mentais, os filhos dos pensamentos, invisíveis, impalpáveis, que enxameiam em torno à humanidade. Quando debatemos a ecologia tendemos a ignorar ou a menosprezar a ecologia mental/espiritual, que precede a material. A poluição do ar, da água, dos solos, a destruição de ecossistemas, começa com a poluição mental, que extravasa para o ambiente físico como acções, e para o ambiente não físico como indutor de acções. (Além da influência mental que consciente ou inconscientemente exercemos uns sobre os outros, e que é mais poderosa do que de ordinário nos apercebemos.) Só a purificação mental/espiritual permite o equilíbrio, a harmonia com todos os seres que partilham a casa comum – ter o coração e a mente de acordo com a grande mente e o grande coração de toda a humanidade.

No fim, como corolário do bom seguimento das regras e demais cuidados, está a compaixão – compaixão que não é um atributo, sim a lei das leis, a harmonia eterna, a luz da justiça eterna, o acordo de tudo, a lei do eterno amor. A compaixão é de tal grandeza que leva inclusive à renúncia do Nirvana, e seu equivalente em outras tradições religiosas, para continuar, como “Budas da Compaixão”, ou seja, como Espíritos já sem necessidade das reencarnações grosseiras deste orbe e com possibilidade de ascender a níveis superiores, a auxiliar os homens.



1 E por aqui se vê que Karma significa apenas uma ação, obra ou feito, e seu efeito ou consequências. É um termo neutro, longe, portanto, da conotação negativa muito presente na acepção corrente ocidental.


2 É nítido o contraste entre estas regras afirmativas e os mandamentos negativos do decálogo bíblico. Umas aconselham caminhos, outros proíbem caminhos. Que pedagogia surte mais efeito?

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