Autoconhecimento


919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?

Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”


Comummente atribuído a Sócrates, este aforismo está inscrito na entrada do templo de Delfos, construído em homenagem a Apolo, o deus grego do Sol, da beleza e da harmonia, e não lhe pertence. Mas mais importante que a pertença é sabermos a frase completa, que é: Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”, o que, se não altera o princípio, pelo menos amplia o significado. Completa, a frase passa a significar, na minha interpretação, que somos substancialmente iguais aos deuses1, e que atingido esse desiderato conheceremos as leis que regem o universo, ou seja, que regem a Vida.

No patamar evolutivo em que nos encontramos existe sobretudo desconhecimento, e o conhecimento revela seres de Sombra, para usar a figura da citação que se segue, e tão bem nos define.

«Todos nós somos marcados pela memória, seja ela pessoal, colectiva ou arquetipal. Estando ancorados na memória, delineia-se o caminho, podendo constituir-se como a âncora que prende e impede o avanço, ou a âncora estável, mas recolhida, permitindo a viagem rumo a novas experiências e memórias futuras. Cabe a cada um de nós posicionar a sua âncora segundo o seu mais íntimo impulso evolutivo, já que ela é o fundamento estrutural da essência que é o “Self” do ser individuado, da Raça e do Universo. Sem a pedra basilar da memória, a evolução, nas suas diferentes áreas e dimensões, não seria possível, contudo, muito se desconhecendo ainda acerca da sua natureza intrínseca e dos seus processos dinâmicos. Não obstante, ela surge em cada gesto, em cada comportamento, em cada hábito e assume um particular relevo na psicoterapia, aí emergindo e manifestando-se em toda a sua plenitude lunar ou solar, pois caminhar da Sombra rumo à Luz é a meta primeira de qualquer processo terapêutico.» (Maria Irene Pedroso, Do Tao da Memória. Em Demanda da Reminiscência Transpessoal)2

A memória. A consciência. Tenho uma amiga com Transtorno Obsessivo Compulsivo, tendências autodestrutivas e niilista que diz, agastada, “a minha mente é um inquisidor”.

Na lógica reencarnacionista, doentes diagnosticados com TOC, esquizofrenia, autismo e até depressão crónica são aqueles em que a memória guarda coisas que a consciência acusa. Coisas graves soterradas sob várias camadas de desejo de esquecimento e que o tempo ainda não diluiu. O indivíduo só se cura quando conseguir perdoar-se. E perdoar-se a si mesmo é ainda mais difícil que perdoar o outro. O auto perdão não apaga a memória, mas apaga a culpa. Quem carrega culpas, estejam elas em profundezas do ser ou à superfície, terá de saber que o que está feito, feito está, não é possível mudar o passado3; agora, mais que carpir culpas e remorsos importa fazer acções de sinal contrário ao que gerou toda a problemática de natureza psicológica (e que tantas vezes tem repercussão somática grave), porque esse é o requisito de que não prescindimos intimamente para conseguirmos perdoar-nos.

A última coisa de que precisa aquele que carrega culpa é de mais acusadores. Às vezes até sabemos o que a memória de superfície lhe esconde, mas recordá-lo é mostrarmo-nos à sua infelicidade como juízes. Na vida de relação muito poucos ainda estão capazes de enfrentar sem dano a Sombra da memória; por isso o passado continua oculto. A passagem para a Luz é um processo lento (somos muito lentos a assimilar mudanças iluminativas). Desvelar de chofre o miserável que ainda habita em cada um de nós pode ser contraproducente.

A verdadeira cura é a da alma. Aquele “Self” que é descrito como uma centelha e que, do interior para o exterior, vai sendo envolvida por corpos cada vez mais densos até chegar a este onde expurgamos os males que, todas eles, começam na alma. O sofrimento é sempre remédio para a alma; no mínimo, fá-la interrogar-se e ao interrogar-se já avançou, por pequeno que seja o passo, na longa jornada evolutiva. Curada a alma, o mental, o emocional e o físico transparecerão essa saúde.

Sempre nos desculpamos com o ser humano errar, mas a desculpa só é aceite se aprendermos com os erros. Quando reconhecemos e decidimos que por ali não é caminho, o perdão fica fácil; se nos comprazemos no erro, a culpa vai baixando a âncora a fundura cada vez maior. E depois somos estes neuróticos que bem sabemos. Somos aqueles que, como diz Cordelia Fine4 “Quando tentamos controlar os nossos pensamentos, plantamos efectivamente as sementes da nossa desgraça, como diz Wegner, o autor da teoria. Quando o fardo sobre o eu consciente é demasiado pesado, são as nossas tentativas para mantermos certos tipos de pensamentos afastados da mente que os fazem entrar repentinamente, e em muito maior número do que se não tivéssemos tentado seguir a máxima de Descartes para conquistarmos os pensamentos.”


*


Para que se entenda melhor o mecanismo da culpa e do resgate:

  1. Somos “partículas” de Deus. Por isso é que Ele sabe tudo de cada um a todo o momento;

  2. Deus é espírito, onde o mal não encontra causa. O bem e o mal é um processo consciencial que se apura com as experiências corpóreas. A consciência é o juiz, pelo que não é necessária a intervenção de uma entidade reguladora externa;

  3. Sendo assim, cada um é senhor do seu destino e em última instância único responsável por aquilo que colhe dele, não esquecendo que aquilo que faço ao outro a mim mesmo o faço;

  4. Temos de atingir a perfeição, o que vale dizer que temos de fazer da “partícula” um espelho fiel do que lhe deu origem. A provação é o meio usualmente usado para avançar nesse caminho;

  5. Posto isto, e porque temos livre-arbítrio, o que chamamos Deus não interfere nas nossas escolhas, não se mete na nossa vida, porque cada um já traz a capacidade a desenvolver de ser imagem de Deus e resolver os problemas por si, porque é assim que aprendemos.



1“Vós sois deuses”, recordam-se?

2 Há escritores a quem Toth sorri. Maria Irene Pedroso é um deles. É óbvio que recomendo o livro supracitado.

3A hipotética viagem no tempo com intervenção nos eventos conduz a um paradoxo inultrapassável.

4 Cordelia Fine, A Mente Astuciosa

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