À conversa com Espíritos - V


- À pergunta sobre em que época viveu Adão, os Espíritos responderam que seria mais ou menos naquela que lhe assinalamos: cerca de quatro mil anos antes do Cristo. Kardec ficou céptico acerca dos números apresentados, tanto assim que no comentário que adiu disse, e passo a citar, “Alguns, e com muita razão, consideram Adão como um mito ou uma alegoria, personificando as primeiras idades do mundo.”

A verdade é que trabalhando o cromossoma Y constatou-se que o parente homem mais perto de nós, o Adão, habitou a África há cerca de 60.000 anos, a Eva Mitocondrial habitou lá há 140.000 anos, e a espécie sapiens surgiu há cerca de 200.000 anos. Mesmo que haja aqui um desvio para menos de 10.000 anos, os 4.000 anos a.C. assinalados nem remota correspondência têm com a realidade.

Parece, pois, que os Espíritos estavam apenas a reproduzir os números sugeridos pelos registos genealógicos constantes no evangelho de Lucas que vão de Jesus a Adão, o que traduz vincado enviesamento católico. (Este mesmo erro é repetido n’A Génese, cap. VI, 51: “Que são os seis mil anos da humanidade histórica, diante dos períodos seculares?” Causa estranheza vindo de quem se apresenta como habilitado para tratar de uranografia.) Parece também que Kardec não seguiu a regra “Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errónea.” (LM 230)

Parece ser um ponto em que se tem de abandonar o que diz o Espiritismo e seguir a ciência.


- O Livro dos Espíritos, lançado em Abril 1857, põe de lado o criacionismo e adopta o evolucionismo, antecipando Darwin, cujo A Origem das Espécies só saiu em Novembro 1959. Aquela resposta, por mais alegórica que seja, não condiz, de facto, com a história Homo nem com a lei de progresso defendida pela doutrina espírita. É um ponto a ser revisto.

Relativamente ao recomendado controle universal do ensino dos Espíritos, era impossível a Allan Kardec efectuá-lo de modo sistemático e exaustivo por falta de meios materiais (ser mundialmente conhecido, existirem grupos organizados bastantes e dedicados à investigação, meios de comunicação rápidos e eficazes, gente competente na área da mediunidade) pelo que remeteu para o futuro esse controle. Dotado de celebrado bom senso e prevendo erros, contradições e insuficiências, elucidou n’O Evangelho Segundo o Espiritismo que "Essa verificação universal constitui uma garantia para a unidade futura do Espiritismo e anulará todas as teorias contraditórias. Aí é que, no porvir, se encontrará o critério da verdade.”

Culpar Allan Kardec de erros, contradições e insuficiências que se venham a encontrar no conjunto da obra é fácil e injusto. E é-o porque atendendo à vastidão da obra, ao lapso temporal em que foi executada, à falta de processador de texto (escrevam os vossos textos com canetas de aparo e sem meios adicionais de verificação e correcção e depois digam alguma coisa), à falta de internet para aceder a informação enciclopédica (ninguém sabe tudo sobre todas as coisas; por isso, se não tiver como verificar as informações bem poderá aceitá-las como possíveis, se razoáveis), é previsível que alguma coisa escape ao controle. Pois se isso acontece a quem tem tempo e meios (meios que incluem revisores profissionais), como vai não acontecer a quem é deles carecente?

Acusá-lo de imprecaução é gratuito. Senão vejamos. Na Revista Espírita (1863, Maio) diz: “Todas as precauções são poucas para evitar as publicações lamentáveis. Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa.” (…) “Aplicando esses princípios de ecletismo às comunicações que nos enviaram, diremos que em 3.600 há mais de 3.000 que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes como fundo; mas que desse número não há 300 para publicidade, e apenas 100 de um mérito inconteste.” Portanto, se este era o método o que escapou ao controle não decorreu do descuido. Podem aventar-se explicações psicológicas (quem nunca leu vezes sem conta um texto que escreveu sem se dar conta de algo errado que, afinal, está lá?), mas a desatenção pode dever-se apenas a fadiga. Sim, Kardec era um homem normal, com necessidades fisiológicas humanas normais e básicas, como comer e dormir, e trabalhava diariamente nos limites. E viveu numa determinada época, numa determinada civilização, numa determinada cultura. Tudo isso contribui para moldar o universo mental da pessoa. (Esse universo mental algumas vezes transparece nos comentários que teceu, mas aproveitar-se de analogias nesses comentários para denegrir o homem justo, generoso, democrata e progressista que foi, é malvadez.)

Temos aquela anomalia na longa comunicação atribuída a Galileu. De facto destoa do conjunto e indicia uma usurpação de identidade. Por certo a comunicação foi obtida em vários momentos; ora num desses momentos aconteceu o que é conhecido como mistificação. E que médium pode afirmar que nunca foi intermediário de mistificadores? E em que não houve mistura mediúnico-anímica? E quem dos que recebem e analisam as comunicações (quando o fazem) nunca foi enganado? Alguém convencer-se que no seu círculo de invisíveis só tem Espíritos de elevada craveira intelectual e moral (e, daí, julgar-se imune ao engano) arrisca demasiado. Cuidado.

Quanto à verificação universal que Kardec desejava no porvir, é oportuno, melhor, é urgente, reflectir se os espíritas não estão a meter o espiritismo num labirinto sem saída. Tal como em tempo passado Léon Denis, já preocupado com o rumo, alertou que o espiritismo seria o que os homens fizessem dele, o tempo presente continua a afastá-lo das bases sólidas da inteligência, da razão, da cultura, da fé raciocinada, e, por isso, sem cumprir o propósito do critério da verdade. Será que distingue-se o verdadeiro do falso? A quem teremos de clamar? E voltarão as vozes do Céu se não as querem ouvir?



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