É preciso mudar, dizem*


Todos nos maravilhamos alguma vez com aqueles que são capazes de encontrar felicidade e “sentido” enquanto suportam contrariedades imensas. Ao longo dos anos, muitos estudos têm tentado descobrir por que razão algumas pessoas conseguem fazer isto, enquanto outras não. A ciência começa a gora a demonstrar as tendências subjacentes do cérebro que podem tornar tão difícil apreciar a vida – e manter um estado mental optimista – quando se sofre de dor e doença crónica. Mas, mais importante do que isso, também se tem tornado claro que podemos voltar a apreciar a vida e, ao fazê-lo, desencadear um círculo constante (círculo virtuoso, por oposição a círculo vicioso) que diminuirá mais o sofrimento.

É um triste truísmo dizer-se que nós, seres humanos, estamos programados para sofrer. Algumas das religiões do mundo dizem que “toda a vida é sofrimento”. Os neurocientistas dizem que temos uma “predisposição negativa”. Seja como for, grande parte do nosso sofrimento é um efeito colateral dos instintos que natureza nos outorgou ao longo de milhões de anos de evolução.

Somos extremamente bons a prever e a evitar o perigo. Mas isto tem o seu preço, pois significa que desenvolvemos sistemas cerebrais que se concentram, por definição, em informação negativa – estão sempre atentos ao lado sombrio da vida. O processo de procurar recompensas e evitar ameaças tem um potente preconceito incorporado. Faz com que a nossa atenção se concentre inevitavelmente nas ameaças, porque caso percamos hoje uma experiência agradável, será provável que tenhamos outra oportunidade amanhã; mas se não detectarmos a ameaça a tempo, podemos morrer e não teremos outra oportunidade amanhã. Assim, a compulsão é a de estar sempre a detectar as ameaças e evitá-las custe o que custar, mesmo que isso signifique que perdemos frequentemente a oportunidade de obter uma recompensa. A nossa tendência inerente para o pensamento negativo assegura que vemos ameaças em todo o lado e reparamos nos defeitos de tudo. É este o principal motivo para a mente se concentrar na dor e no sofrimento com grande precisão. Mas, bem mais importante, é que isto significa que simplesmente não reparamos na quantidade avassaladora de coisas agradáveis nas nossas vidas. Esta “predisposição negativa”1 do cérebro é incrivelmente poderosa e pode apropriar-se de tudo o que se atravesse no seu caminho. Isto é agravado pelo facto de reagirmos praticamente de imediato às ameaças, que são directamente armazenadas na memória, a postos para serem recordadas de um instante para o outro, enquanto as experiências positivas demoram bastante mais a serem assimiladas. É por isso que aprendemos mais depressa com a dor do que com o prazer.

Esta predisposição é causada pela necessidade de sobreviver e, na maioria dos casos, recorre à cautela – para evitar as ameaças da vida. Este é o sistema da “prevenção”. Outro aspecto do nosso instinto de sobrevivência é o impulso para procurar novas oportunidades e novos recursos - as recompensas da vida. Este é o sistema de “obtenção”. Estas duas forças motrizes asseguraram que só os mais astutos e adaptáveis dos nossos antepassados sobreviveram, o que deu origem ao mantra “a sobrevivência dos mais aptos”, que assumimos que se trata de uma visão cem por cento precisa do mundo. Mas há ainda uma terceira faceta do nosso instinto de sobrevivência que também governa a forma como abordamos o mundo: é conhecido como o sistema de “apaziguamento e contentamento”, ou “a sobrevivência dos mais bondosos”. Este sistema de apaziguamento e contentamento ajuda-nos a alcançar uma noção de “equilíbrio” emocional, a alargar progressivamente a nossa visão e a ganhar uma perspectiva melhorada. Está intimamente interligado com a bondade, o afecto e a compaixão e intimamente ligado à saúde e ao bem estar. Este sistema tem um senão: quem o adopta afasta-se da insanidade que governa o mundo (volte a ler a nota de rodapé. Acrescente-lhe o futebol) e é olhado de lado como frouxo, doido ou marginal, já que, entre outras coisas, passa de competidor a cooperante. Sim, fá-lo sentir-se integrado acreditar (crenças e pensamentos não são factos) que é espiritualista mas a ser real e profundamente materialista. Perpetue, pois, a insanidade – mas não se queixe, a lamúria é despropositada e inútil.


* Respigado, e adaptado, de Mindfulness Para a Saúde, de Vidyamala Burch e Danny Penman

1 Esta “predisposição negativa” explica porque é que a comunicação social é dominada por violência e notícias negativas. Os que gerem os meios de comunicação social sabem precisamente como manipular-nos. Assustam-nos e depois oferecem-nos refúgio. Criam uma forma de instabilidade e dependência nas nossas mentes. Observamos, colados à televisão, ao sofrimento alheio, esperando que aquilo não nos aconteça, antes de aceitarmos o refúgio proporcionado pelas pausas para anúncios publicitários. Tudo o que temos de fazer é comprar algo que não queremos ou de que não precisamos e depois vamos sentir-nos felizes e seguros. É um sistema que funciona maravilhosamente para nos vender mais coisas – e para manter as hierarquias sociais.

(Percebe agora por que razão os políticos ao invés de realçarem o positivo das suas propostas realçam o negativo das propostas dos adversários? A atenção que dá ao negativo é que vai influenciar a sua decisão de voto.

E já percebe por que razão os padres e pastores e quejandos tendencialmente o amedrontam e diminuem? Claro, para as religiões e as igrejas deles serem a sua salvação.)

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