Lei de Deus, eterna e e imutável como o próprio Deus
Tem havido alguma controvérsia relativamente à questão da imutabilidade das leis naturais ou divinas. Segue aqui a minha fala nessa disputa.
Imutabilidade é diferente de necessidade e de aplicabilidade. Uma qualquer lei natural que tem aplicação na Terra não tem necessariamente de ter aplicação em Neptuno, p. ex., porque as circunstâncias de Neptuno são diferentes das da Terra. A inversa também é verdadeira, ou seja, uma qualquer lei que tenha aplicação em Neptuno não tem de ter necessariamente aplicação na Terra, pelos mesmos motivos. Mas não por isso essas leis, aplicáveis ou não aplicáveis num ou noutro globo, deixam de ser imutáveis na sua formulação.
Exemplo: a reencarnação. Há certamente uma qualquer lei que preside à reencarnação; a imutabilidade refere-se a que em quaisquer mundos onde haja reencarnação o princípio é sempre o mesmo, porque a circunstância (causa; motivação) é a mesma. Mas se não há reencarnação não há necessidade da lei, e se não há necessidade não há aplicabilidade. Mas não anula a sua existência universal nem modifica o seu processo.
Aliás, se não houver previsibilidade nunca saberemos nada de ciência certa; o facto é que sabemos algo de ciência certa porque a previsibilidade funciona, precisamente porque há bases estáveis em que se fundamente, ou seja, a tal imutabilidade.
Se deixar de chover em Portugal não será porque a “lei da chuva” mudou, mas sim porque as condições em Portugal mudaram a ponto de a “lei da chuva” deixar de ter aplicação, mas continua válida e a funcionar previsivelmente nos países onde continuar a chover. Das anomalias, reais ou aparentes, não podemos inferir que determinadas leis não existem ou mudaram. A explicação há-de ser outra. Se eu cometer uma infracção conhecida como tal e não for punido, a ausência de punição não implica que a lei mudou ou deixou de existir.
Além da imutabilidade também é atribuída, na mesma resposta dos Espíritos, a propriedade de eternidade às leis naturais ou divinas. (“É eterna a lei de Deus? - Eterna e imutável como o próprio Deus.”)
Ora a eternidade já é mais difícil de entender e justificar (ou rebater), porque o conceito filosófico do termo,1 aqui aplicável pela identificação da lei com Deus, remete-nos para o conhecer a Deus, possibilidade que, no imediato, não é exequível. Podemos formular questões várias - tais como: a Lei é o próprio Deus ou é d’Ele distinta?; os Espíritos que nos falam, que estão longe de tudo saberem, poderão ter-se equivocado? -, mas o mais certo é que nos percamos num labirinto de conjecturas.
Porém, se os Espíritos não se equivocaram, a extracção lógica de a Lei ser eterna como Deus é que além dos demais outros atributos Deus é também a Lei, sendo que Lei engloba as leis da matéria e as leis da alma, conforme o dizer dos mesmos Espíritos. Andamos, a humanidade, e andaremos por longo tempo ainda, a descobrir umas e outras; se existir realmente uma identificação da Lei com Deus, quando tomarmos conhecimento pleno de umas tomaremos pleno conhecimento de outro.
Este ainda desconhecimento tem outra consequência, pois que se “O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário.” (LE 630), a indistinção entre o bem e o mal além de ocupar um amplo espaço na vida dos homens é também um tempo natural no percurso evolucionário.
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«Onde está escrita a lei de Deus?
- Na consciência.»
“A consciência ou consciez é uma qualidade da mente considerando abranger qualificações tais como subjectividade, autoconsciência, senciência, sapiência, e a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente. Consciência é uma qualidade psíquica, isto é, que pertence à esfera da psique humana, por isso diz-se também que ela é um atributo do espírito, da mente, ou do pensamento humano. Ser consciente não é exatamente a mesma coisa que perceber-se no mundo, mas ser no mundo e do mundo, para isso, a intuição, a dedução e a indução tomam parte.” (Wikipédia)
Se aceitarmos a definição, a adquirição de consciência é um processo evolucionário que necessita de colher experiência no tempo, tempo que se mede em milénios. Nascer a consciência já definitivamente construída no homem seria admitir a excepção à Lei, e onde há uma excepção pode haver várias, e, portanto, a Lei não seria imutável.
Se todos os Espíritos são criados simples e ignorantes, nesse momento a consciência é embrionária, pelo que dizer que o homem esqueceu e desprezou a lei de Deus que tinha escrita na consciência, e que para a lembrar há as revelações (“Visto que o homem traz em sua consciência a lei de Deus, que necessidade havia de lhe ser ela revelada? - Ele a esquecera e desprezara. Quis então Deus lhe fosse lembrada.”), é admitir a existência da perfeição humana algures num tempo recuado, dando solidez ao mito adâmico, e admitindo, porventura, a existência ab initio de anjos, seres sortudos que não tiveram de viver a dolorosidade das experiências corpóreas e da consciência difusa, e negando a justa igualdade dos seres inteligentes no momento da sua criação – ou é simplesmente um enxerto forçado para validar as revelações. Inclino-me para esta possibilidade com alto grau de probabilidade.
1Que não pode ser medido pelo tempo, porquanto o transcende. O uso popular deste termo tantas vezes quer significar apenas que não tem fim, admitindo um começo.
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