Saber tanto como Deus


Há um determinado filósofo que ao pensar o problema do mal diz, a dado passo na sua argumentação, que Deus não pode saber o que cada pessoa vai fazer no momento seguinte. É especulação de filósofo e é devido à existência de filósofos que Deus deixou ser o velho revelho de barbas do tamanho da idade. No origem de qualquer ramo científico está a filosofia, e por estas duas coisas, a noção de Deus e a ciência, o filósofo está perdoado pelo atrevimento. Não fez pior que qualquer pregador que sabe qual o pensamento e a vontade de Deus para d’Ele se fazer porta-voz.

Porém, já ouvi, ou li, esta ideia ser defendida no meio espírita, e agora o assunto já me traz preocupações. É que se alguém se lembrar de a repetir muitas vezes não tarda será uma “verdade” espírita, porque ser avant-garde no espiritismo é muito sedutor.

Viver em estado civilizacional ainda ao nível da barbárie e saber o que é que Deus sabe, ou não sabe, impressiona e é um bom começo para ser um mestre. E mestres no espiritismo são perigo acrescido, porque, no mínimo, embotam ainda mais o raciocínio daqueles que pelo próprio apelo da doutrina espírita o deviam exercitar. Nesta nação beata, lamurienta e apegada a tradições, vender qualquer ideia, por mais delirante que seja, não é difícil.

São muitas vezes apostrofados os espíritas de terem a presunção de que sabem tudo (mas desconhecem as leis naturais) e se sem capacidade filosófica se põem a dissertar sobre o que é que a Inteligência suprema é capaz darão plena razão aos zombadores, além de que é uma posição de soberba que a afectação, uma outra postura muito comum, não disfarça.

O livre pensamento permite que pensemos coisas maiores do que nós, mas não isenta de bom senso nem de humildade. Sabemos efectivamente pouco menos que nada acerca de nós mesmos, mas se temos a pretensão de que conhecemos a Causa Primeira, então ainda não desistimos da convicção de que somos o centro em torno do qual o universo gravita.

Voltando aos filósofos. Boa parte deles fala muito e de modo intragavelmente sofisticado, mas enquanto não admitirem a existência do ser Espírito e o homem como sendo um Espírito numa existência corpórea não vão criar um corpus teórico devidamente fundamentado que impulsione sustentadamente as disciplinas científicas em geral, e particularmente as ciências médicas e sociais, a um compromisso com o bem-estar individual e colectivo. E está a ficar imperativo que o façam.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog