Neurónios espelho


        Nas três últimas décadas os investigadores identificaram um grupo de neurónios os quais denominaram “neurónios espelho”, que actuam de modo muito parecido ao princípio da vibração por simpatia. O simples facto de observar as acções de outra pessoa activa estes neurónios. Mesmo que só sejamos observadores, certas partes do nosso cérebro respondem como se estivessem a realizar a mesma acção que estão a presenciar. A existência de neurónios espelho deu pistas aos cientistas de que sentir compaixão e empatia, qualidades ambas que nossa alma desenvolve, é natural no ser humano.1 Nas experiências onde os sujeitos vêem um filme em que alguém cai e fere a perna direita, observou-se que no cérebro dos espectadores iluminam-se zonas que coincidem com a experiência da dor na perna direita. Quando vemos um acontecimento emocional ou físico forte que está a acontecer a outra pessoa sentimos a sua dor, literalmente. Mas não é só observar uma acção o que faz que se disparem estes neurónios. Os estudos revelam inclusive que ouvir um som que associamos a uma ação pode desencadear a nossa reação simpática de espelho. Christian Keysers, do Social Brain Lab da Holanda, experimentou com macacos utilizando os sons de acções específicas: rasgar papéis, partir um amendoim ou puxar uma vara. Descobriu que os neurónios dos macacos observadores se activavam como se estivessem a realizar as tarefas que correspondiam a esses sons. Os neurónios espelho activavam-se em pelo menos 20 por cento de toda a zona do cérebro que funcionaria quando realizada a ação correspondente. Transpondo esta investigação aos seres humanos, Keysers descobriu uma resposta de activação neuronal simpática similar quando viam e ouviam as tarefas. As pessoas a quem se mostrou uma foto de um rosto que expressava desagrado ou escutavam sons associados com este sentimento produzia-se-lhes uma activação espelho de zonas similares do cérebro. Literalmente, sentiam o que sentiam os outros.

        A empatia geralmente é associada ao senso moral, justiça, altruísmo e cooperação. As pesquisas com neurónios espelho despontam como aliado no debate quanto à natureza de decisões morais. Elas reforçam a tese de que os comportamentos morais têm um traço afectivo porque envolvem a capacidade do indivíduo de sentir as emoções do outro, e dependem do sistema de recompensa (circuitos do cérebro ligados à sensação do prazer).

Alguns teóricos defendem que as decisões morais são de natureza cognitiva e envolvem um pensamento moral. Mas os experimentos com neurónios espelho fortalecem a ideia de que as emoções estão na base do sentimento moral. Isso significa dizer que não aprendemos apenas racionalmente, mas também somos educados sentimentalmente.

        Tendo em conta que as emoções dos demais podem ser muito contagiosas e afectar-nos, podemos entender que as acções que os outros realizam também o podem ser, sobretudo se temos pouca idade. Assim, a exposição à violência nas crianças por meio da televisão pode aumentar o grau de violência em seu comportamento, já que temos a tendência de imitar o que vemos.2 Na verdade durante toda a nossa vida imitamos e colocamo-nos no lugar do outro, inclusive fingimos ser alguém que não somos. Por essa razão existe o cinema e o teatro, que surge da nossa necessidade de imitar e de viver outras realidades.


1 Só que é muito difícil conseguir “empatizar” com que não consideramos o nosso círculo moral. Veja-se o exemplo dos adeptos de clubes de futebol em relação aos “rivais”. (Foi um mau exemplo: o futebol, como derivação da guerra, e os jogos como simulacros de batalhas, não se pode prestar a empatias.) A verdade é que toda a gente fala em empatia, mas ninguém tem empatia com ninguém. A palavra é usada para cobrar do outro empatia, não para ser empático.

2 Mas, infelizmente, esta tendência comportamental não se restringe às crianças, é algo que nos acompanha pela vida fora até à cova e depois dela.

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