À Conversa com Espíritos - IX 


- Lê-se em O Céu e o Inferno que: «O temor da morte decorre, portanto, da noção insuficiente da vida futura, embora denote também a necessidade de viver e o receio da destruição total; igualmente o estimula secreto anseio pela sobrevivência da alma, velado ainda pela incerteza. Esse temor decresce, à proporção que a certeza aumenta, e desaparece quando esta é completa.»

Entende-se que seja assim, mas dada a sucessão de encarnações e desencarnações, e concatenação exponencial de causas e efeitos, não será de considerar nesse medo a presença de traumas incrustados nas zonas profundas da alma resultantes de experiências na erraticidade perturbadoras e que a partir do inconsciente se fazem sentir?

Ainda a ler O Céu e o Inferno, vemos que os relatos de suicidas são agónicos, mas estão longe de indiciar o “vale dos suicidas” presente em psicografias posteriores. Este vale e seus horrores tem algum fundamento ou é mais um enxerto fantasioso no espiritismo?

Peço ainda que comentem a importância e a legitimidade das terapias que envolvem regressão a vidas passadas para libertar de traumas psicológicos.



- Tal como a vida enquanto encarnado tem eventos infelizes que provocam feridas emocionais no Ser que transitam por várias existências com rasto visível, também a vida enquanto desencarnado pode ter experiências penosas que a memória guarda nos recessos. No regresso ao corpo estão adormecidas, tal como as demais adquiridas em todos os pretéritos, se as houver, mas as impressões inerentes vibram e não deixam de provocar um certo medo, vago ou mais intenso. Esse medo se apenas impuser cautela não se pode considerar prejudicial, como qualquer medo que existe no curso dos dias, mas se tolher será benéfico o uso da psicoterapia a fim de promover a soltura de amarras psicológicas.

Especificamente a regressão a vidas passadas: é uma terapia onde muito importa a habilidade do técnico para que a terapia não tenha efeitos contraproducentes. No fundo não se lhe exige nem menos nem mais que a qualquer outro terapeuta, sobretudo da psique, mas dada a vastidão de memórias com que mexe, tantas delas com cargas emocionais de grande poder explosivo e passíveis de desencadear reacções em cadeia qual fissão nuclear, importa que saiba quando parar e quando insistir. Tratar com eficácia e benignidade questões sensíveis requer apurada sensibilidade a par de conhecimento. Pode ser benéfica em contexto clínico, mas nunca é por demais recomendar parcimónia no uso da regressão a vidas passadas. A diluição das cargas, e reprogramação de padrões mentais, requer tempo, tantas vezes só obtidas a expensas de sucessivas reencarnações. Como deveis saber, não é por acaso ou por capricho divino que o esquecimento do passado constitui regra e não excepção e a lembrança quando existe no adulto é mais difusa que precisa. Não obstante, o que tantas vezes se passa nos sonhos e no estado sonambúlico é consequência da lembrança exacta de acontecimentos de uma vida anterior e até, não raro, uma espécie de intuição do futuro [LE 425].

Há povos que entendem a morte como libertação e festejam com alegria o passamento. Sois com eles condescendentes mas, bem vistas as coisas, têm vantagem tanto sobre o vosso conhecimento quanto sobre a vossa fé, que são insuficientes naquilo que à imortalidade diz respeito.

O decesso é um mero ponto de ruptura fisiológico no continuum da vida onde o Ser transita imorredouro. É uma muda de pele, quais ofídios, que não altera essência nem existência. Assim, o Espírito tem-se a si na sua verdade; depois da morte física mantém a mesma imanência. Cada um saberá a realidade que carrega e transita de uma dimensão para outra: para aquele que não é escravo da matéria a morte é libertação da prisão temporária que foi o corpo; para aquele que é dominado pela matéria o aferro a meros bens fungíveis constitui um cárcere mental e sensorial de que a morte não liberta.

Viver na atemporalidade é uma experiência difícil de descrever em palavras que a façam entender em toda a extensão a quem vive no tempo. Viver na atemporalidade é, para uns, ter o passado e o futuro à distância do querer – e o sentimento de plenitude; para outros, na extremidade oposta, é a angústia do tempo parado em algo indesejável. É o inferno, na perspectiva da consciência avassalada pela culpa. (Só os suicidas? Será? E os homicidas: genocidas, infanticidas, etc., etc., etc.?) O vale dos suicidas (ai os mitos das velhas religiões a contagiarem o meio espírita!) é uma outra versão do mitológico inferno na linguagem aproximada do que não se consegue dizer. É uma metáfora de uma realidade que não se consegue entender. É tornar o desconhecido imaginável através duma analogia com algo conhecido.

(Ah, e não somente os médiuns estão sujeitos à fascinação, os Espíritos não lhe são imunes, pelo que nem todas as descrições são fiáveis. É o dos horrores o espiritismo consolador?)

É um estado (de consciência) transitório, não se deve tomar como um sítio delimitado onde determinado tipo de Espíritos atraídos pela semelhança coalham.

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