As tais Colónias Espirituais


Tem respaldo nas obras de Kardec a certeza absoluta que entrou no espiritismo, via pseudo-espíritas brasileiros, da existência de colónias espirituais, por sinal a matriz das organizações (e ciência e tecnologia) terrestres?

Não, não tem. Costuma-se forçar esse respaldo para as “colónias espirituais” em três conteúdos da doutrina espírita: mundos transitórios; sociedades ou famílias de espíritos; laboratório do mundo invisível. Mas a verdade é que os capítulos que disso tratam em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns nada sugerem no sentido pretendido pelos entusiastas das colónias. Ao tentar forçar esse respaldo imitam o procedimento de qualquer político populista que para agradar ao público manipula dados e reinterpreta factos para construir a narrativa conveniente, travestindo de realidade uma ficção. As fake news sempre existiram, só que deixaram de estar circunscritas à guerra e à política. É a utilização dos mecanismos psicológicos que nos permitem acreditar em todo o tipo de absurdos.

Outro argumento utilizado para sustentar a teoria é que era prematuro à época de Kardec trazer à luz a existência de tais colónias e que ele as desconhecia. É mentira. Kardec conhecia bem essa teoria e recusou-a. Vá de consultar-se a Revista Espírita de Setembro de 1859 (“Confissões de Voltaire”), Novembro de 1866 (“Maomé e o Islamismo”) e Abril de 1869 (“Profissão de fé espírita americana”); O Céu e o Inferno 1ª parte - VII, 5º, e 2ª parte - II, 2º. Voltar ao LE, questões 254 e 257, e comparar os Espíritos da doutrina espírita com os Espíritos das “colónias”. Ir novamente à RE, Abril 1859 (“Quadros da vida espírita” e Junho 1868 (“Morte do sr. Bizet, cura de Sétif – A fome entre os Espíritos”).1

Indelevelmente ligado às benditas colónias está o famigerado “Umbral”, onde, diz-se, os Espíritos tomam formas animalescas e onde se chega a beber lama!… Isso nada tem de novo, encontra-se coisa semelhante nas crenças primitivas dos povos mesopotâmicos (cerca de 3.000 anos a.E.C) sobre a vida depois da morte. Por isso, se os espíritas tiverem colónias no Além não estão sós no que por enquanto ainda não saiu do domínio da crença filha da imaginação. O povo eleito de antigamente, o judeu, tinha a Jerusalém Celeste e a Arca da Aliança; os espíritas (do espiritismo brasileiro), que não fazem a cousa por menos, são os eleitos da Era Industrial e têm as Colónias Espirituais e o Consolador Prometido2. Assim seja.

Conclusão: existem as tais colónias e Kardec está errado e o espiritismo brasileiro está certo, ou não existem as tais colónias e Kardec está certo e o espiritismo brasileiro está errado? Não sei. Mas não me lembro de colónias da minha muita erraticidade e não tenho sonhado com algo que as sugira.

1 Para o ensinamento ser completo, diria aos espíritas para lerem uma vez que seja a obra completa de Allan Kardec.

2 A histeria religiosa (e a idiotia), muito viva entre os comummente denominados evangélicos, está à espreita. 

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