Inteligência


Quando se diz que o instinto é uma forma de inteligência com a vantagem de ser infalível, é lícito deduzir que é superior à forma de inteligência dos pomposamente denominados animais racionais, porquanto estes constantemente se enganam. Tem mais: a planta também tem senciência1, que sendo a capacidade de ter percepções conscientes do que lhe acontece e do que a rodeia, implica uma qualquer forma de inteligência; inteligência que, porque não somos plantas nem animais irracionais, nem conseguimos por-nos na pele de como se fossemos, podemos apelidar de instinto, e, sendo também infalível, permite também deduzir superioridade qualitativa em relação à que os humanos manifestam.

No mínimo, o preconceito antropocêntrico não aceita que seja assim, e se admitirmos uma lógica teleológica que fala de progressão quase infinita também entenderemos objectivamente que não será assim, isto é, que a inteligência vegetal e animal não humana não é qualitativamente, nem quantitativamente, superior à inteligência humana. Então, qual o interesse desta inteligência que se engana? Não parece ser muito difícil a resposta: o saber como. Com efeito, a inteligência presente de modo perceptível em todos os seres vivos, e de modo impercepível, ou quase, nos minerais e nos gases, não parece que saiba ou queira saber como funciona2.

Apesar de tudo, e da crença nesse sentido, a realidade pode não ser essa. Na verdade, o que se passa a nível microscópico, já para lá do subatómico onde nem o aparato tecnológico atinge, é algo difícil, muito difícil, de conceber. Parece mais fácil conceber o macrocosmo, dado que a visão tem desde sempre a abóboda celeste como um referente da nossa tridimensionalidade. Aquilo que é medido com números com expoentes negativos figura-se-nos imediatamente como inexistente.

Mas vamos admitir que aquele raciocínio está correcto e que de facto a inteligência que se manifesta no humano está num patamar mais elevado. A favor desta proposição temos então o saber como, que abre a possibilidade de permitir intervir e, até, de criar. É de extrema importância esta possibilidade porque, para o bem ou para o mal, isso faz de nós co-criadores, ou, em termos mais metafísicos, faz de nós deuses. E parece ser ser esse o sentido teleológico da existência de seres dotados de inteligência, que tem uma visibilidade no vegetal, outra no animal, outra ainda no hominal. Por certo que esta manifestação no hominal não é a culminância, mas o que vem a seguir ainda não sabemos, só vagamente podemos imaginar – e dessa incapacidade construir, como forma compensatória, angelologias e sistemas teológicos que tais mais ou menos elaborados.

Negar a omnipresença da inteligência é, paradoxalmente, ininteligente. Em termos de emergência da vida, se por um lado o criacionismo punha uma Inteligência divina como fábrica de milagres e se, por outro, o darwinismo deifica uma Ininteligência com o mesmo perfil milagreiro, o movimento Intelligent Design (Concepção Inteligente), parte do princípio de que há sistemas, mesmo a nível celular, que são irredutivelmente complexos, isto é, nos quais todas as peças devem estar presentes desde o início para ele funcionar, que requer alguma forma de design criador. Este meio termo entre as duas posições extremas não está precisamente a dizer uma Inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas? E se há uma Inteligência como causa, tudo o que dela decorre não pode deixar de a manifestar.


1 O argumento da senciência usado pelos vegetarianos em defesa de causa perde, assim, algum peso.

Não é estranho ao entendimento por parte dos povos “primitivos” que todos os seres são partes vivas do todo, onde o homem é apenas e só mais um, mas com responsabilidade acrescida pelos ecossistemas e o mais frágil; daí o costume, tantas vezes indistinto do animismo, de reverenciarem a natureza.

2 A dupla hélice do ADN já é representada alegoricamente, mas com exactidão de significado, há milhares de anos. Porém, só o pensamento analítico e de base materialista descodificou parte, por agora, do enigma que encerra. Desta conjunção, base e descoberta, pode inferir-se que a concepção materialista do mundo também se fez necessária para que se aguçasse o apetite pelo conhecimento do saber como.

É digna de nota a conexão entre cristianismo e materialismo. A simbiose é evidente.

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