Ledores da sorte e toda a sorte de impostores


    Cesare Lombroso em Fenomeni Ipnotici e Spiritice escreveu:

    «Não há país da Europa onde os impostores ganhem tanto dinheiro quanto em Portugal. Aí são velhas que predizem o porvir, preparam filtros de amor e executam outras obras de feitiçaria.»

O que acima se lê foi publicado em 1909; volvidos estes já mais de cem anos não podemos confirmar nem desmentir o primeiro lugar de Portugal na hierarquia dos ganhos de dinheiro pelos impostores, porque não conhecemos o que se passa nos outros países da Europa, mas esta continua a ser uma realidade em grande escala neste país de gente propensa ao fatalismo e à aceitação fácil do milagre como recurso para contornar o destino.

Escasseando ainda o conhecimento e a racionalidade, não são somente velhas mas também novas e homens a predizer o porvir – e a fazer tudo o mais que se imponha que permita ganhar dinheiro à custa da ignorância e da inquietação e da dor alheia. É já uma indústria de que os média fazem parte, porque promovem este negócio fraudulento, em que o maior ou menor potencial mediúnico está ao serviço do espectáculo. E, por este achincalhamento, a mediunidade, que não deixa todavia de ser uma realidade, torna-se risível, como seria de esperar.

Neste país amigo dos turistas mas ingrato para os filhos não há “morada aberta” que se preze que não receba o padre Cruz e o dr. Sousa Martins.1 Como são fáceis de enganar os que querem ser enganados! Mas a ignorância e a mentalidade tacanha do Portugal do fado triste tem ares de transversalidade a todos os estratos sociais e culturais.

Estes são os mesmos crentes que vão mais vezes a Fátima que os muçulmanos a Meca, e que com a mesma fé que ouvem o/a vidente também benzem objectos2 e até compram (è vero) ar que de lá se vende.

Num dia vai-se a Fátima, no outro vai-se à bruxa: o desespero percorre todos os caminhos.

A degradação e a impostura revelam-se em todos os aspectos da vida cultural e social, que não somente nesta da prática religiosa. A arte em geral, e a música em particular, mais que uma medida estética é uma visão mística , ou mesmo mágica3. Ora, a magia, que vive paredes meias com a religião, é também a dita negra, não sendo por isso de espantar que nesta magia que se chama música o que vende seja os sons à la carte produzidos por algoritmos e letras imbecis.

Quando se erige matéria fecal a arte, em que patamar estão a medida estética e o sentimento religioso?

Talvez não melhores que os ledores da sorte de que Lombroso fala são os médiuns que garantem o Mundo de Regeneração para muito breve, com data precisa e tudo, para gáudio dos crentes em tudo que tais gurus, pretensos espíritas, dizem.

A ânsia de melhor futuro transtorna as pessoas.


1 Mas entre os espíritas não ter o Bezerra de Meneses presente de alguma forma reduz à mediocridade o grupo e os médiuns. Pobres de ideia os que andam atrás de nomes…

2 Objectos podem ser magnetizados, mas não pelo procedimento simplista usado pelo padre.

3 “Não é exagerado falarmos de mística ou mesmo de mágica: nenhum amador de arte pode ser agnóstico quando essa arte o esmaga. Se gosta de música, é um crente, embora à força de dialéctica tente demonstrar não o ser.” (Leonard Bernstein, O Mundo da Música)

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