A Lei do Progresso


O homem pode, às vezes, embaraçar a marcha do progresso, mas não pode paralisá-la. É, portanto, inexorável, e o progresso avança a despeito de qualquer vontade humana em contrário. Assim sendo, podemos dizer que o curso da história já está determinado por leis inescapáveis e auto-operantes? Podemos perguntar-nos do por quê de fazer sacrifícios, do por quê de esforçarmo-nos, quando já se deu corda ao relógio do futuro e só temos de aguardar pela sua realização?

O progresso, poder-se-ia pensar, permite a passividade, até mesmo a resignação. Porém, a passividade, a inacção, o ficar agarrado a vetustas instituições, tradições e ideologias (de um mundo perverso) numa atitude conservadora, quiçá reaccionária, é pretender deter a marcha do progresso. Se existe uma lei natural do progresso, tentar deter a marcha do progresso e fazer que a Humanidade retrograde é nada mais do que querer perpetuar o sofrimento – mas também ser engolido pela torrente que se procura deter. (1)

Temos de ver, porém, que o progresso sendo regular é lento, resulta da força das coisas. Ocasionalmente, quando os estorvos se tornam persistentes, o vigor da lei natural, ou divina, produz abalos físicos ou morais com vista a transformá-los. Atraímos as desgraças. Tememo-las, mas não sabemos viver sem elas. Apesar disso “Conhece bem pouco os homens quem imagine que uma causa qualquer os possa transformar como que por encanto. As ideias só pouco a pouco se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e progressivamente, se pode operar.” (LE 800) (2)

O progresso tem duas vertentes: intelectual e moral, e este decorre daquele mas nem sempre o segue imediatamente. É por isso que se percebe facilmente a disparidade entre um e outro. Tem mais: “Os nossos valores morais - e, mais ainda, as nossas acções morais – são muito mais influenciados pelo poder das circunstâncias externas do que pela personalidade de um ser humano. Somos, pelo menos na nossa maioria, produtos de forças externas, pelo que qualquer programa de reforma moral tem de ter aqui o seu ponto de partida. A despeito da tendência em atribuir as acções de uma pessoa ao seu carácter individual, que acreditamos ser em grande medida estável, tal verifica-se não ser verdadeiro.”(3) Isto quer dizer que em solitário podemos ter auto-referências nobres, mas em grupo vil mimetizamos a egrégora do grupo. É como diz o adágio: junta-te aos bons e serás como eles, junta-te aos maus e serás pior que eles. Isto significa que quando nos julgamos bons não o somos tanto quanto julgamos, essas bondade e fortaleza de carácter não estão tão sedimentadas quanto pensamos. Além de que os semelhantes atraem-se e, como seres sociais que somos, bem podemos medir-nos pela qualidade do(s) grupo(s) que frequentamos.


(1) O LE diz que Deus castigará os que que tentam deter a marcha do progresso e fazer que a Humanidade retrograde. Ora, isto permite duas grandes inferências: uma, que nem tudo é necessário. Se, ao contrário do que dizem, todos os estorvos fossem necessários, Deus não haveria de castigar; outra, que esse castigo pode ser tão tardio que nem se dá por ele. De facto, não se vê onde esteja o castigo do cristianismo em geral e da Igreja Católica em particular, atendendo a que sempre foram o grande estorvo ao progresso. Ou então, nem tudo o que o LE diz corresponde à realidade.

(2) Há quem ingenuamente acredite que os astros, ou seres míticos, ou …, ou…, são os grandes agentes de transformação colectiva e façam por todos o que compete a cada um fazer. A história Hominidae com pelo menos 14 milhões de anos retira fundamento a essa crença.

(3) Moral – a Invenção do Bem e do Mal, Hanno Sauer

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